Os impactos da falta de acesso a fontes seguras de água

JUAN CUBIDES

Enquanto você lê este texto, uma em cada três pessoas no mundo está consumindo água contaminada, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). São cerca de 2 bilhões de pessoas que dependem de fontes impróprias de água, contaminadas por dejetos, produtos químicos e metais pesados, para sobreviver. Essa água carrega agentes infecciosos — bactérias, vírus, parasitas —, que expõem aqueles que a utilizam a doenças que podem ser evitadas. O simples tratamento dos depósitos de água ou mesmo o encanamento apropriado de água limpa separada do esgoto são medidas suficientes para prevenir doenças como cólera, hepatites A e E, entre outras.

Como epidemiologista, um dos focos do meu trabalho é analisar os riscos apresentados pelas diferentes fontes de água a que as populações têm acesso, a fim de evitar o surgimento de epidemias. Quando os surtos já estão estabelecidos, o trabalho é implementar medidas de manejo para contê-los. Analisando os dados coletados sobre a qualidade das fontes de água, podemos entender, por exemplo, os padrões de propagação das doenças e criar planos para evitar que elas se espalhem na comunidade. Nas épocas de chuva, precisamos saber quais fontes de água as pessoas estão utilizando para evitar que deslizamentos ou a infiltração de água da chuva em poços contamine a água própria para consumo. Já nos períodos de seca, a escassez de pontos confiáveis de água dirige nossa atenção para entender quais são as fontes alternativas — e frequentemente inseguras — às quais as pessoas recorrem.

Os impactos da falta de acesso à água limpa vão além do risco à saúde. A falta de fontes seguras é um risco à dignidade das pessoas. Não é incomum que as equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) encontrem pessoas expostas à violência ao terem de se distanciar de suas comunidades para buscar água limpa. As mulheres são especialmente afetadas, pois em muitas sociedades cabe a elas a tarefa de coletar água. Os longos trajetos que percorrem para efetuar essa tarefa, assim como o tempo que esperam enquanto enchem seus baldes, deixam-nas muito vulneráveis a diversos ataques, inclusive à violência sexual. Em março de 2018, 10 mulheres chegaram a nosso hospital em Bossangoa, na República Centro-Africana, relatando terem sido raptadas por homens armados enquanto buscavam água e lavavam roupa. O medo do estigma relacionado com o estupro fez com que só procurassem ajuda médica mais de duas semanas depois, tarde demais para garantir a eficácia de medidas de proteção contra o HIV. Ou seja, a falta de acesso seguro a um recurso vital como a água vitima-as repetidas vezes.

É evidente o impacto positivo que o investimento em água e saneamento tem nas condições de saúde das comunidades. Um estudo da OMS, de 2012, mostra que, para cada 1 dólar direcionado à área de saneamento, são economizados 5,50 dólares em cuidados de saúde. É por isso que, mesmo não sendo o centro de atuação da organização, a equipe responsável por atividades de água e saneamento é muitas vezes fundamental nos projetos de MSF. Apenas em 2018, MSF gastou quase 11 milhões de euros, o equivalente a cerca de 50 milhões de reais, com material e equipamento para ações na área de água, higiene e saneamento. Esse tipo de investimento é especialmente necessário em crises humanitárias, em que o deslocamento forçado obriga centenas ou milhares de pessoas a viver em campos improvisados e superlotados. Da mesma forma, é essencial logo após desastres naturais, quando a infraestrutura — incluindo os sistemas de água — costuma ser gravemente afetada.

Assim, profissionais de diferentes áreas de MSF trabalham para garantir que as pessoas que atendemos tenham acesso a água e latrinas, em um ambiente seguro e bem iluminado, seja em áreas remotas, seja em campos de refugiados. Tudo para que elas, em situações já vulneráveis, não precisem arriscar sua segurança em busca de um elemento vital.

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