ANA DE LEMOS - DIRETORA-EXECUTIVA DE MSF-BRASIL

Nós não deveríamos mais estar tratando determinadas doenças. Não que as equipes de Médicos Sem Fronteiras (MSF) não estejam empenhadas em salvar o maior número de vidas possível, com atendimento gratuito e de qualidade, em muitos dos lugares mais remotos do mundo. O que é aterrador é, em pleno ano 2020, ainda encontrarmos tantas pessoas em nossos projetos que sofrem por causa de doenças que têm cura ou formas de serem evitadas há décadas.

Quando começamos a receber casos de difteria no Iêmen e em Bangladesh, em 2017 e 2018, a dificuldade inicial para tratá-la tinha um aspecto inacreditável: por ser uma doença erradicada em quase todos os países do mundo graças à vacinação de rotina, não havia, em nenhum lugar do planeta, doses suficientes da antitoxina usada no tratamento. Nossos médicos, que em quase sua totalidade nunca haviam atendido um paciente com difteria, tiveram de se adaptar, em pouquíssimo tempo, para diagnosticar e tratar uma doença altamente contagiosa, que conheciam apenas dos livros.

Porém, se a difteria pegou-nos de surpresa e conseguiu ser contida sem um aumento incontrolável de casos, a tuberculose (TB) é velha conhecida de nossas equipes. Embora já exista tratamento para a doença, inclusive para suas formas resistentes aos medicamentos tradicionais, mais de 1,5 milhão de pessoas ainda morrem de TB todos os anos. São milhares de vidas perdidas pela falta de acesso ao tratamento adequado.

É para que vidas como essas sejam poupadas que mantemos nossos projetos em mais de 70 países e lutamos com a Campanha de Acesso, para que os medicamentos estejam disponíveis a preços justos a todos que precisam deles. Na matéria de capa, você saberá mais sobre como tentamos impedir mortes que poderiam ser facilmente evitadas.

Nesta edição, você também conhecerá a Academia de Saúde de MSF. Fundada em 2017, é uma iniciativa inovadora, que visa a investir na capacitação de nossos profissionais contratados localmente, nos países onde estão nossos projetos. Eles representam mais de 90% de nossas equipes em campo. Bart Janssens, diretor da Academia, explica em entrevista como funciona o programa de estudos.

Você também saberá mais sobre como atuamos para evitar as consequências da falta do acesso a fontes seguras de água. Desde doenças evitáveis até violência sexual, muitos aspectos que tratamos todos os dias em nossos projetos estão relacionados com a dificuldade de obter esse elemento vital de forma segura, como nos conta o epidemiologista Juan Cubides em seu artigo. Já no tocante relato do pediatra Alexandre Bublitz, você acompanhará o trabalho em um hospital no norte da Nigéria, onde ele cuida de crianças com desnutrição.

No começo de mais um ano, agradeço por você nos acompanhar. Obrigada pela confiança em nosso trabalho, que faz com que seja possível levar cuidados àqueles que continuam precisando de ajuda. Você também é parte de MSF.

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