O presidente internacional de Médicos Sem Fronteiras (MSF), Christos Christou, esteve no Brasil no fim de abril para ver de perto o trabalho de resposta à COVID-19 da organização. Nesta entrevista, ele compartilha suas impressões.
MSF completa 50 anos em 2021 e, ao mesmo tempo, 30 anos do primeiro projeto no Brasil. Que contribuições relevantes de MSF- Brasil você destacaria para a organização?
O Brasil e os brasileiros dão uma contribuição muito importante para fazer de MSF aquilo que somos. É uma satisfação enorme saber que temos cerca de 600 mil pessoas nos apoiando, doando e possibilitando a chegada de ajuda aos que mais precisam. Recebemos do Brasil um suporte muito importante, por meio tanto de doações quanto do engajamento de pessoas. Profissionais saem do Brasil para encontrar quem mais precisa do nosso trabalho, muitas vezes dispostos até a arriscar suas vidas para estar ao lado de pacientes e aliviar seu sofrimento.
Quais são suas impressões sobre o Brasil neste momento?
Estou aqui no Brasil visitando os projetos. Já estive em Porto Velho e, agora, em Ji-Paraná. O que vi foi uma situação muito preocupante. Minha impressão é de que as pessoas ainda estão muito confusas em relação a como se cuidar quando se trata da COVID-19. A falta de uma mensagem consistente por parte do governo federal, de uma resposta centralizada e bem–coordenada e também de uma abordagem científica torna a situação ainda mais preocupante.
Hoje, vemos que muitas vezes as pessoas vão aos hospitais e às unidades de saúde já tendo experimentado por conta própria vários medicamentos diferentes, que, sabemos, não são eficazes. Pela minha experiência como médico — e como médico trabalhando com MSF por muitos anos —, eu sei o quão importante é o engajamento com as comunidades.
A batalha contra a COVID-19 não é uma batalha que travamos apenas dentro dos hospitais. Conversamos com enfermeiros, médicos, pessoas da comunidade e pacientes. E o que recebemos deles é apreço e gratidão. Eles acham que estamos aqui ajudando, oferecendo orientações, protocolos, apoio psicológico. Mas, no final das contas, o que damos é esperança para que possam seguir em frente.
A COVID-19 poderá nos deixar lições duradouras?
A verdade é que essa pandemia pode nos ensinar muito. O principal é saber o quanto é importante preocupar-se consigo mesmo e também cuidar dos outros. É uma questão de solidariedade. E de entender que, para estarmos seguros, precisamos que todos estejam seguros. Também precisamos confiar na ciência e transmitir informações consistentes, que possam realmente nos ajudar a controlar a doença. Da mesma forma, é importante evitar a desinformação e nos concentrarmos naquilo que funciona. Não existe solução única, precisamos de um enfoque abrangente. Temos que ter cautela, respeitar as medidas coletivas, evitar deslocamentos desnecessários, manter o distanciamento, usar máscara e ouvir a ciência. E ir além: testar e rastrear contatos de infectados, adquirir mais vacinas e acelerar a vacinação. E fazer tudo isso ao mesmo tempo. Não existe “panaceia” e nem solução única.
Na sua opinião, quais são os desafios previstos para MSF nos próximos cinco anos?
MSF e todas as organizações humanitárias enfrentam um ambiente mais agressivo aos mais necessitados e marginalizados. Chamamos isso de desumanização. As pessoas não são tratadas como humanos, mas como números, ameaças. São pessoas em movimento, que fogem em busca de uma vida mais segura. Essa desumanização é assustadora. Outro desafio é a criminalização do que fazemos. Às vezes, quando tentamos levar auxílio, chegamos a ser acusados de terrorismo e penalizados só porque queremos ir a determinados lugares e ajudar quem está lá. Estou extremamente preocupado em como a criminalização da ajuda humanitária evoluirá no futuro próximo.