Ana de Lemos - Diretora-geral de MSF-Brasil
Junto a nosso principal trabalho — a atividade médica —, outro importante objetivo de Médicos Sem Fronteiras (MSF) é não permitir que as crises em que atuamos sejam esquecidas pela sociedade internacional. Em nossos projetos, vemos que o esquecimento é muitas vezes anterior ao próprio contexto de crise. Atualmente, são 20 as doenças tropicais consideradas negligenciadas segundo a lista da Organização Mundial da Saúde. Não por coincidência, elas são recorrentes nas áreas mais pobres do mundo e afetam cerca de 1 bilhão de pessoas. Isso significa que esses pacientes têm pouca ou nenhuma chance de obter tratamento, seja pela falta de acesso a cuidados médicos, seja pela ausência de estudos que permitam a criação ou o aprimoramento de medicamentos que respondam às suas necessidades. São 1 bilhão de vidas marcadas pela negligência.
Ao longo de nossa história, atuamos no combate e no tratamento de muitas dessas doenças negligenciadas, como a doença de Chagas, a dengue e o envenenamento por picada de cobra. Nosso trabalho diário nos mostra a importância do acesso à saúde para aqueles que estão em áreas isoladas e têm menos recursos. Por isso, também unimos nossa voz aos pedidos por desenvolvimento e aprimoramento de medicamentos que atendam milhões de pacientes. É igualmente fundamental que esses tratamentos sejam disponibilizados com preços acessíveis para que não sejam colocadas novas barreiras a seu acesso. Nos destaques da revista, você ficará sabendo mais sobre os esforços para que o sofosbuvir, medicamento de alta eficácia contra a hepatite C, torne-se mais acessível.
Também nos destaques, falamos sobre a dificuldade que nossas operações de busca e salvamento no mar Mediterrâneo vêm enfrentando. Os obstáculos impostos por governos europeus e a cumplicidade da guarda costeira líbia aumentam o já enorme risco que correm as pessoas que tentam seguir rumo à Europa em busca de segurança. Como se não bastassem as situações que as levaram a sair de seus países, na Líbia são submetidas a condições inadmissíveis, como sequestros, prisões arbitrárias e tortura.
É a constante lembrança das histórias de nossos pacientes o que nos motiva a nos adaptar cada vez mais aos desafios que estão por vir. No texto do engenheiro Fernando Cima, você acompanha um pouco da reconstrução de nosso hospital em Kunduz, no Afeganistão, que foi bombardeado em 2015. Você conhecerá na entrevista com a consultora para assuntos humanitários Carol Devine as questões que o aquecimento global traz para a saúde. No artigo de Emmanuel Guillaud, do Fundo de Investimentos para Transformação de MSF, vemos o quanto a inovação é importante aliada para tornar nosso trabalho mais eficaz, sem nunca esquecermos que é a preocupação com o ser humano o que faz com que lembremos todos os dias o porquê de existirmos.