Direto do Afeganistão
Fernando Monteiro Cima - Engenheiro
Sou engenheiro e trabalho atualmente na equipe de reconstrução do hospital de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Kunduz. Estamos reconstruindo o centro de trauma, que foi destruído depois de ser bombardeado pelos Estados Unidos em 2015.
Como gerente de energia, sou responsável por toda a parte elétrica do futuro hospital. Minha equipe e eu somos responsáveis pela geração e distribuição de energia elétrica para todas as instalações do hospital, incluindo os equipamentos críticos — aqueles que não podem parar de funcionar para preservar a vida dos pacientes e a segurança das pessoas. Estamos construindo um sistema de geração de energia pioneiro em MSF, composto por oito geradores síncronos de grande porte. Isto é, são geradores que trabalham interconectados, o que faz com que a oferta de energia para o hospital seja mais confiável, e o consumo, mais econômico. Eles serão controlados por uma central automatizada de gerenciamento de carga, que define quais desses geradores serão usados de acordo com a demanda de energia de cada momento. Todo o suprimento de energia elétrica do hospital será autônomo, ou seja, independente da rede elétrica local.
Fazer parte do projeto de MSF em Kunduz tem sido uma experiência única. Não só pelo fato de viver e trabalhar em um país assolado por conflitos armados desde 1979, mas pela oportunidade de construir um hospital que vai trazer um pouco de alívio para as vítimas da guerra.
Não tem sido fácil. O período que precedeu as recentes eleições foi marcado por muito confronto. Os constantes bombardeios, morteiros e artilharia nos obrigaram a trabalhar no bunker do nosso complexo por quatro dias seguidos. Nosso movimento é bastante restrito, e a vida em confinamento é um desafio. Não tenho janelas no meu quarto e acho que deveria ter dado mais valor quando as tinha. Quando não estamos trabalhando, procuramos passar o tempo lendo, fazendo exercícios, jogando cartas, jogos e vendo filmes. A saída de uma hora ao mercadinho local no fim de semana é bastante concorrida. Só três profissionais podem ir, e a prioridade é de quem já está aqui há mais tempo. A minha vez vai chegar…
Além da guerra, o tempo também é um desafio. Tempestades de areia e temperaturas abaixo de zero são grandes obstáculos à construção. Protocolos de segurança e treinamentos de bombardeio e invasão também são rotina. Acho que a definição correta desse projeto seria: construção nível hardcore.
Apesar dos desafios, tenho muito orgulho de fazer parte da reconstrução de Kunduz, e vamos alcançar nossos objetivos. A motivação da equipe é impressionante! Por vezes, me perguntam por que estou aqui, se essa guerra não é minha. Guerra não tem dono. E, para quem faz parte de MSF, o amor e a compaixão também não têm barreiras; somos todos iguais e merecemos uma vida digna.