SUSANA DE DEUS - DIRETORA-GERAL DE MSF-BRASIL

Nós, de Médicos Sem Fronteiras (MSF), em campo ou no escritório, acabamos convivendo com as tragédias das pessoas a quem prestamos assistência médica em todas as partes do mundo. Pessoas cujos caminhos se encontram em situações extremas de sobrevivência ou que, de igual modo, sofrem diariamente por doença, morte ou perda. Mesmo convivendo cotidianamente com essa realidade, felizmente não deixamos de nos indignar nem cruzamos os braços.

O desastre humanitário do povo rohingya é avassalador. Dezenas de nossos colegas permanecem atordoados com os níveis de brutalidade enfrentados por essa população, que, por décadas, tem sofrido o descaso do Estado de Mianmar e agora se encontra em fuga, amontoando-se em Bangladesh. Um estudo conduzido recentemente por nossas equipes revelou o que vínhamos alertando há meses: os rohingyas são vítimas de violência maciça e cruel. De 25 de agosto a 24 de setembro, ao menos 6.700 deles foram mortos, incluindo 730 crianças. Mais de 647 mil rohingyas já fugiram de Mianmar, mas muitos continuam encurralados, e MSF não tem acesso às áreas onde eles estão. Recentemente, foi noticiado um acordo entre autoridades de Bangladesh e Mianmar para a repatriação daqueles que cruzaram a fronteira. Perguntamo-nos: Que condições Mianmar oferece para recebê-los? Quem assegura que essas pessoas não sofrerão mais violência?

Mãe e seus filhos, refugiados Rohingyas em Bangladesh

Foto: Antonio Faccilongo

MSF acompanha a tragédia dos rohingyas há quase uma década. Eles não podem ter mais que dois filhos, ir à escola ou circular pelo país sem permissão especial, o que pode determinar vida ou morte. Nosso coordenador médico no Brasil, Erwin, sempre se lembra da esposa de um colega rohingya que teve que recorrer a um hospital de referência para uma cesariana de emergência. Para isso, precisou parar em 13 postos de controle, suplicando permissão para continuar a viagem. Chegaram tarde: morreram no caminho mãe e bebê.

Equipe médica de MSF atende paciente em instalação em Kutupalong, Bangladesh

Foto: Antonio Faccilongo

Aqui, no continente latino-americano, também nos preocupa o descaso das autoridades em face das populações em constante movimento, fugindo da violência das gangues. Nossa unidade médica tem apoiado os vários projetos que acompanham esses migrantes, como a população de El Salvador, castigada pela ausência de políticas que a protejam do abuso do poder paralelo.

São muitas as barreiras visíveis e invisíveis que impedem o acesso a serviços de saúde. Veja o caso de nossos pacientes no Iêmen, que enfrentaram mais um ano de uma guerra que viola o direito internacional humanitário ao bombardear hospitais. De outro lado, falava-me uma colega sobre o desafio de continuar vacinando contra a cólera durante o jejum do Ramadã. Não dá para desistir. São muitos os desafios, mas entramos 2018 acreditando que a vontade de continuar se manterá e, claro, contamos com você a cada dia para nos apoiar nesta jornada.

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