Direto do Chade

Iara Czeresnia - Psiquiatra

“Cheguei em janeiro a Bagasola, uma pequena vila na beira do lago Chade, no país que leva o mesmo nome. É a terceira vez que trabalho em campo com Médicos Sem Fronteiras (MSF) e é também a minha terceira vez na África. Já estive nas margens do rio Nilo no Sudão do Sul, na beira do Atlântico em Serra Leoa e agora vim parar no deserto. Estou a 100 metros do lago que não posso visitar por motivo de segurança. É por lá que podem chegar os combatentes do grupo armado conhecido como Boko Haram (BH).

Sou responsável pelas atividades de saúde mental, de toda a região, que conduzimos no campo de refugiados nigerianos e nos vários campos de deslocados internos chadianos. Um menino de 15 anos vem à consulta com nosso psicólogo local, porque tem apanhado do pai, que se irrita com seu comportamento bizarro. Fica muito calado, não obedece, não come… Conta-nos que tem tido muitos pesadelos, sempre com pessoas do BH vindo atacar sua casa. Quando sua vila foi atacada, largou tudo e saiu correndo. No meio do caminho, separou-se de sua mãe, a quem era muito ligado. Conseguiu fugir e encontrou seu pai e um dos irmãos. Há alguns meses, soube da morte da mãe de causas naturais. Nosso garoto não se perdoava, talvez ela ainda estivesse viva se ele a tivesse ajudado. Era o que dizia. Uma história igual a tantas outras por aqui.

Cabe a nós escutar, escutar e escutar. Ajudá-lo a entender que não tem culpa, que assim quis o acaso da vida. Propusemos que ele tivesse a conversa com a mãe tão querida agora, como se ela estivesse presente, que dissesse tudo o que teve vontade e não teve oportunidade. Validamos sua dor e tristeza. Ele voltou depois de uma semana, ainda triste, mas muito melhor. A vida agora pode talvez ser retomada com o que apresenta, com os limites, com as ausências. O luto pode ser elaborado.

Conto com uma equipe de promotores de saúde, eles próprios sobreviventes. Uma das meninas deu à luz Adam há cinco meses, que vem sempre amarrado às costas da mãe participar das reuniões. Brinca, tenta falar, dá risada. Alegra-nos e nos lembra da vida que se refaz. Os refugiados ainda não podem voltar para suas aldeias de origem. Não há segurança, e as casas, as plantações estão destruídas. Poucos têm trabalho, viram-se como podem, dependem quase que completamente da ajuda de organizações não governamentais como a nossa. Mas há vida, muitas crianças sorridentes, barulhentas, correndo e brincando. As dores e as alegrias humanas são as mesmas em toda parte.

Na volta para nosso alojamento, me emociono a cada vez com a paisagem. A aridez, a areia contrastando com as mulheres que passam coloridas, com estampas de cores com combinações surpreendentes. Os dromedários, numerosos às vezes, somem no vento que levanta a poeira para reaparecerem majestosos. Asnos, de vez em quando umas gazelas, um macaco. Dizem que em junho aparecem os elefantes. Penso em meu marido e filhos que deixei no Brasil. Fico feliz de estar aqui e poder ajudar. Fico feliz de poder voltar.”

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