Doença de Chagas: Um problema de saúde pública ainda não enfrentado

Vitória Ramos, gerente de Advocacy e assuntos humanitários de MSF

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), de seis a sete milhões de pessoas estão infectadas pelo parasita Trypanosoma cruzi, que provoca a doença de Chagas, e mais de 75 milhões de pessoas estão, neste momento, em risco de contaminação. Embora os números sejam superlativos, a enfermidade faz parte de um grupo de doenças tropicais que são negligenciadas por governos e até pela indústria farmacêutica. Em razão da falta de conhecimento sobre ela, a maioria das pessoas afetadas pela doença de Chagas desconhece sua condição. Inclusive, entre os profissionais de saúde, também há despreparo técnico para realizar o diagnóstico correto. Por essa razão, o dia 14 de abril foi declarado pela OMS como o “Dia Mundial da Doença de Chagas”, na tentativa de chamar a atenção da comunidade global para o tema.

Chagas é a patologia parasitária mais comum das Américas do Sul e Central, e afeta, principalmente, a população mais vulnerável e com acesso restrito ao sistema de saúde. Além das dificuldades para obter atendimento médico, a maioria das pessoas infectadas não apresenta sintomas, o que a torna conhecida como uma doença “silenciosa”. As estimativas são de que, aproximadamente, 90% das pessoas afetadas permanecem sem diagnóstico e, portanto, sem tratamento.

Infelizmente, a cura para essa doença só é possível com o diagnóstico precoce. Quem não recebe os cuidados médicos adequados ainda no início da infecção pode sofrer sérias consequências. Aproximadamente 30% das pessoas infectadas desenvolvem problemas cardíacos graves, o que as coloca em risco de morte súbita. Estima-se que 1,1 milhão de mulheres em idade fértil são portadoras da enfermidade no mundo. E, como a transmissão de mãe para filho também é possível, entre oito e 15 mil crianças já nascem com a doença de Chagas a cada ano.

Mas esse cenário pode mudar com ações governamentais em saúde pública e investimentos em novos tratamentos. MSF defende que o diagnóstico e o tratamento da doença de Chagas estejam disponíveis em unidades básicas de saúde, garantindo, assim, a possibilidade de atenção precoce e monitoramento dos casos.

Outro ponto importante é integrar a triagem de Chagas à assistência às grávidas nos serviços de saúde. Infelizmente, no Brasil não há protocolos de rastreio da doença durante o pré-natal, e o exame de diagnóstico em recém-nascidos não faz parte do teste do pezinho.

Também é preciso aumentar os esforços e os investimentos em pesquisas para o desenvolvimento de novos tratamentos que sejam mais seguros e eficazes. Atualmente, há apenas duas opções terapêuticas, com medicamentos desenvolvidos há mais de 50 anos, que, apesar de eficazes, não são ideais.

A pandemia causada pela COVID-19 evidenciou a disposição da indústria farmacêutica para investir no desenvolvimento de opções terapêuticas e preventivas de doenças. No entanto, a mesma determinação e empenho não são aplicados na descoberta de terapias voltadas para as doenças negligenciadas, que não representam os maiores retornos financeiros para os laboratórios.

No Brasil, a falta de dados epidemiológicos é outro grave problema. Após forte pressão de especialistas e da sociedade civil, em 2020, o Ministério da Saúde publicou uma portaria (Portaria N1061 18/05/2020) que determina a notificação obrigatória de todas as pessoas diagnosticadas com a doença de Chagas, incluindo, dessa vez, os casos crônicos.

No entanto, essa medida, de extrema importância, ainda não foi posta em prática. É primordial que o Ministério da Saúde implemente o quanto antes, em seu sistema de notificações de agravos, a notificação adequada dos casos de doença de Chagas e honre seu compromisso com as pessoas afetadas, a comunidade científica e organismos internacionais.

Identificar as pessoas afetadas por Chagas por meio do diagnóstico e da notificação adequados é um primeiro passo para dar visibilidade a esse grande problema de saúde pública e para enfrentá-lo de forma a mudar a realidade centenária de negligência com as pessoas afetadas, garantindo o acesso à saúde e à qualidade de vida.

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