ENTREVISTA

A médica Jennifer Marx, diretora da Unidade Médica Brasileira (Bramu, na sigla em inglês), é a principal especialista de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em saúde de jovens e adolescentes.

QUE IMPORTÂNCIA TEM A EDUCAÇÃO REFERENTE À SEXUALIDADE PARA A SAÚDE ADOLESCENTE?
A chamada educação integral em sexualidade (EIS) é um direito. Os adolescentes precisam compreender os processos físicos e emocionais de desenvolvimento vivenciados na puberdade. Além disso, a EIS fornece informações sobre a prevenção da gravidez — a taxa de gravidez na adolescência na América Latina e no Caribe é a segunda mais alta do mundo, estimada em 66,5 nascimentos por mil meninas de 15 a 19 anos, superada apenas pela África subsaariana.
Apesar desse direito, muitos jovens recebem mensagens conflitantes, negativas e confusas, agravadas pelo estigma e pelo silêncio de pais e professores. A eles são frequentemente negadas informações sobre saúde e direitos sexuais e reprodutivos, o que pode ter consequências. Um exemplo é que, de 2017 a 2020, 180 mil adolescentes sofreram violência sexual no Brasil — uma média de 45 mil ao ano, a maioria meninas. A EIS permite que os jovens estejam cientes de seus direitos sexuais e os capacita a se protegerem de atos de violência, abuso sexual e molestamento. É também imprescindível que os adolescentes tenham informações sobre como evitar infecções de transmissão sexual e HIV. Segundo o Unicef, as taxas de conhecimento adequado sobre HIV seguem abaixo de 50% na maioria dos países. O acesso ao teste de HIV também é baixo, assim como à terapia antirretroviral, em comparação com outras faixas etárias. De acordo com dados da Agência da ONU para HIV/Aids (UNAIDS), só 54% dos adolescentes com HIV recebem tratamento antirretroviral, enquanto, na população em geral, a cobertura se aproxima de 73%. Além de conteúdos sobre reprodução, comportamentos sexuais, riscos e prevenção de doenças, a EIS traz outros aspectos da sexualidade, com ênfase em relacionamentos baseados em respeito e igualdade. Outras questões que podem ser enfrentadas com a EIS são cyberbullying, uso de álcool e drogas e saúde mental. Problemas emocionais e mentais também são associados a sexo inseguro, infecções sexualmente transmissíveis e experiências sexuais precoces.

EMBORA TODOS OS ADOLESCENTES TENHAM DIREITO A UMA VIDA SAUDÁVEL, MENINAS ADOLESCENTES ENFRENTAM RISCOS DESPROPORCIONAIS E CONSEQUÊNCIAS DISTINTAS. QUE VULNERABILIDADES SÃO ESSAS E COMO ISSO PODE IMPACTAR SUAS VIDAS?
A gravidez precoce pode ter sérias consequências sociais e de saúde. Em países de renda baixa e média, complicações da gravidez e do parto são a principal causa de morte em meninas de 15 a 19 anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, adolescentes grávidas têm maior probabilidade de abandonar os estudos, o que restringe oportunidades para elas e seus filhos.
O casamento precoce é outro problema. Em todo o mundo, estima-se que 650 milhões de meninas e mulheres se casaram antes dos 18 anos, com cerca de metade das uniões ocorrendo em Bangladesh, Brasil, Etiópia, Índia e Nigéria. A COVID-19 agravou o problema: fechamento de escolas, estresse econômico, interrupções em serviços e morte dos pais, na pandemia, ampliaram o risco de casamento infantil para as meninas mais vulneráveis.
A falta de informação sobre menstruação e higiene feminina faz com que as meninas convivam com infecções e dores. Dificuldade de acesso a absorventes, higiene precária e estigma repercutem na saúde e na frequência escolar. A profunda disparidade de gênero também se reflete na epidemia de HIV, com 77% das novas infecções na faixa de 15 a 19 anos ocorrendo entre meninas.

COMO FATORES SOCIOCULTURAIS, LEGAIS E ECONÔMICOS PODEM INFLUENCIAR A SAÚDE ADOLESCENTE?
Problemas como pobreza, desigualdade social e de gênero criam barreiras no acesso à saúde. Muitos adolescentes são obrigados a deixar os estudos e a recorrer a trabalhos que os expõem a riscos. A falta de investimento em programas de educação e de políticas para seu desenvolvimento também aumenta as práticas de risco, como abuso de álcool e drogas. Apesar de os adolescentes terem direito a saúde e informação, barreiras legais ainda dificultam ou impossibilitam seu acesso. Muitos serviços são negados e requerem o consentimento de pais, cuidadores ou parceiros. Outro fator são normas sociais e culturais que perpetuam estigmas, tabus e preconceitos.

COMO E ONDE MSF TEM ATUADO PARA LEVAR CUIDADOS DE SAÚDE SEXUAL E REPRODUTIVA ADOLESCENTE?
MSF investiu, nos últimos anos, em projetos exclusivos para adolescentes e jovens em países como Zimbábue, Quênia e Indonésia, com serviços de saúde integrais e amigáveis, em colaboração com os ministérios da saúde locais. Apoiamos programas e sugerimos adaptações para aumentar sua qualidade. Isso inclui treinamento de equipes multidisciplinares, oficinas de conscientização com profissionais de saúde, pais, professores e outros membros da comunidade, para reduzir o estigma e o preconceito ligados ao assunto, e colaboração com instituições de saúde e educacionais, para oferecer educação sexual a adolescentes.

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