Direto de Bruxelas
Mina Kanashiro, brasileira que trabalha há mais de seis anos no Centro de Distribuição Logística de MSF em Bruxelas, Bélgica, um dos locais onde montamos kits médicos e cirúrgicos que enviamos para a emergência da Ucrânia.
Muitas caixas, grandes prateleiras de metal e caminhões indo e vindo. Em geral, esta é a habitual imagem ao pensarmos em um armazém, acompanhada pela impressão de ser algo monótono. Porém, a sensação muda radicalmente uma vez que somos integrados neste mundo aparentemente trivial. Na verdade, é um grande organismo em forma de concreto, onde pulsa a doação de cada indivíduo que contribui à organização.
A cada entrega de materiais, médicos ou não, é como se pulsasse a torcida de cada doador, seja para uma emergência, seja para um projeto regular. O estado de espírito é unânime: todos concentrando as energias para prover o necessário aos pacientes e com respeito e responsabilidade por aqueles que depositam toda a confiança na organização.
A pergunta mais comum que nos fazem quando falamos que trabalhamos em Médicos Sem Fronteiras é se somos médicos. Sempre faço uma analogia: imaginem se na escola houvesse apenas professores!
Por isso, nosso supply center em Bruxelas é composto por equipes multidisciplinares: analistas financeiros, experts em tecnologia da informação, engenheiros, administradores, advogados, especialistas em recursos humanos, compradores, entre outros perfis.
A emergência na Ucrânia tomou o mundo de uma forma nunca antes vista e chegou em um momento em que ainda estamos nos recuperando das consequências da pandemia. De modo geral, as emergências apresentam algumas características em comum, que fazem com que reajamos rapidamente. Elas variam conforme a natureza e a localização: terremotos solicitam abrigos temporários; migrações demandam kits de sobrevivência transportáveis, como água, produtos higiênicos e alimentos não perecíveis; doenças, como Ebola e cólera, exigem estruturas e equipamentos médicos específicos para o tratamento da população.
O terremoto do Haiti em 2021, por exemplo, exigiu rápida abertura de atividades médicas por meio de montagens de tendas temporárias e também de estruturas sanitárias para distribuição de água potável. Além disso, tivemos por foco a entrega de materiais médicos para primeiros socorros e instrumentos cirúrgicos para cuidar dos pacientes atingidos pela emergência.
A Ucrânia, por sua vez, é uma crise caracterizada pela guerra. A maior demanda nas semanas iniciais foram kits de primeiros socorros, kits cirúrgicos, equipamentos médicos e um gigantesco volume de medicamentos. Além disso, temos enviado também produtos não habituais, como as coberturas de alta qualidade, para proteger a população do frio, e ambulâncias.
O ambiente é de muita, mas muita pressão diária e desafios a cada minuto. Ainda sentimos as consequências da pandemia, uma vez que muitas empresas ainda não conseguiram restabelecer a produção usual de mercadorias, havendo, por isso, escassez de material no mercado. Temos aprendizados diários de gestão de pessoal, pois lidamos a todo momento com a frustração, a adrenalina e a emoção de quando conseguimos fechar um negócio e assegurar a qualidade e a disponibilidade dos produtos. Todo o material é meticulosamente analisado, de forma a garantir a segurança do paciente.
Além dessa turbulência do mercado, mantemos o foco para continuarmos operando em outras emergências e projetos de maior prazo, como os centros de tratamentos de HIV e de doenças crônicas. Procuramos estabelecer estratégias para que uma emergência não se sobreponha à outra e para que, com isso, possamos preservar todas as atividades orquestradas por MSF com alto nível de qualidade.
As informações mudam constantemente em uma emergência, por isso temos reuniões diárias, para assegurar que todos estejam devidamente comunicados e, o mais importante, sincronizados. Afinal de contas, o deslize de qualquer etapa nesse trabalho pode provocar não só prejuízos financeiros, mas principalmente grandes atrasos, prejudicando os cuidados com aqueles que precisam da ajuda humanitária.
Temos presenciado uma grande comoção do mundo e um grande movimento de solidariedade, não apenas da organização, como também de cidadãos, como você e eu. Temos testemunhado pessoas oferendo as próprias casas para acolher os refugiados e uma grande doação de roupas e alimentos.
O ritmo da emergência e as necessidades vão variando conforme o passar dos dias; no entanto, essa crise está muito longe do término. Portanto, continuamos trabalhando de forma a garantir o fluxo contínuo de entregas. E nossa energia para realizá-lo vem da motivação para levar ajuda o mais rápido possível e da torcida dos doadores de MSF.