Ana de Lemos - Diretora-executiva de MSF-Brasil

As alterações climáticas têm sido consideradas por especialistas como a maior ameaça global à saúde no século XXI. E seus efeitos têm impactado a atuação médico-humanitária de Médicos Sem Fronteiras (MSF) especialmente em lugares onde as pessoas já não têm acesso a cuidados básicos de saúde, como em países que enfrentam conflitos, pois a insegurança limita a capacidade de as pessoas lidarem com os choques climáticos. Muitas das áreas em que trabalhamos estão nas regiões mais vulneráveis ao clima no mundo. Nossas equipes prestam atendimento àqueles que sofrem os impactos da emergência climática na saúde em primeira mão, pois é muito claro que essa crise atinge com mais força as pessoas nas situações mais vulneráveis. 

Algumas regiões são mais afetadas pelas mudanças climáticas, como o sul da Ásia e o Pacífico, o Oriente Médio, o cinturão do Sahel, o sul da África e a América Central. Para entender melhor como podemos adaptar nossa resposta médico-humanitária a uma realidade em rápida mudança, no final de 2021 participamos pela primeira vez como observadores oficiais da 26ª Conferência das Partes (COP26) da Convenção da Federação das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), em Glasgow, Escócia. Na conferência, líderes mundiais se reuniram para atualizar os planos de ação com o objetivo de manter o mundo como um lugar seguro para morar. 

A emergência climática agrava as vulnerabilidades existentes e as situações humanitárias. Por exemplo, no Níger, a mudança nos padrões de chuva está afetando a produção de alimentos e a ocorrência de doenças infecciosas, como a malária. Isso se soma a epidemias recorrentes e à insegurança alimentar associada ao tamanho da população, aos recursos disponíveis e ao uso da terra, bem como à violência e ao deslocamento. A combinação mortal de malária e da desnutrição tem grande impacto sobre as crianças menores de 5 anos de idade. 

Em muitos locais onde há projetos de MSF, nossas equipes estão respondendo a diversas situações relacionadas com as mudanças do meio ambiente. Exemplos disso são o crescente número de pessoas com doenças infecciosas, como dengue e cólera (além da malária), como resultado das mudanças nos padrões de chuva e temperatura, e o aumento dos casos de doenças causadas por vírus transmitidos entre animais e seres humanos, em razão do aumento da pressão sobre o meio ambiente. E também eventos climáticos extremos mais frequentes, como ciclones, furacões e secas, que podem contribuir para causar a desnutrição e também aumentar o risco de conflitos, ao exacerbar fatores sociais, econômicos e ambientais existentes diante da crescente escassez de recursos. É por isso que entendemos que a emergência climática é uma grande ameaça à saúde humana, como mostramos na matéria de capa desta edição. 

Na seção “Direto de”, a psicóloga Gabriela Serenato narra sua experiência levando atendimento de saúde mental a migrantes venezuelanos em Roraima, no norte do Brasil. E no artigo de Antônio Flores, médico especialista em doenças infecciosas, abordamos o ensaio clínico liderado por MSF que avaliou um novo regime oral de tratamento da tuberculose resistente a medicamentos, mais curto, seguro e eficaz. 

Após um ano e meio de pandemia da COVID-19, trouxemos uma análise, em entrevista com as psicólogas Renata Bernis e Renata Santos — também presidente do conselho de MSF-Brasil —, de como o isolamento social, o constante medo da própria morte e da de entes queridos e as incertezas geradas pela pandemia podem afetar a saúde mental das pessoas, em especial das mais vulneráveis, que já enfrentam outras situações extremas.  

O ano 2021, que marcou o cinquentenário de MSF e os 30 anos de nossa atuação no Brasil, foi extremamente desafiador para todos nós. Somos gratos por seu apoio ao longo desse período tão difícil. Em 2022, esperamos continuar contando com você como parte da rede de solidariedade que nos permite salvar vidas nas emergências em que atuamos pelo mundo. 

Juntos somos mais fortes. 

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