Tuberculose: precisamos continuar garantindo o desenvolvimento de modelos de cuidados humanizados e centrados nas pessoas

Antônio Flores, especialista de MSF em doenças infecciosas

Até o surgimento da COVID-19, a tuberculose era a doença infecciosa que mais causava mortes globalmente todos os anos. Em 2021, 1,5 milhão de pessoas morreram em decorrência dessa infecção, um aumento de 100 mil mortes em comparação a 2020. Ao todo, 30 países de baixa e média renda concentram mais de 80% dos casos globais. Esse dado indica que as populações mais afetadas são justamente as mais vulneráveis, para quem condições socioeconômicas mais precárias aumentam o risco de contrair o bacilo que causa a doença. Quando comparada à COVID-19, que afetou sociedades ricas e por isso recebeu uma enxurrada de investimentos em apenas dois anos, a tuberculose é uma doença que atrai muito menos investimento. Para se ter uma ideia de como o progresso é lento, esperamos meio século até que uma nova medicação fosse aprovada, no início da década passada, para o combate à doença. 

Por dependerem de sistemas de saúde menos robustos, as pessoas afetadas enfrentam barreiras para acessar o diagnóstico em tempo oportuno. Quando finalmente são diagnosticadas, precisam ficar em tratamento por pelo menos seis meses. Muitas delas precisam arcar com custos altos relacionados com o tratamento, incluindo transporte aos centros de saúde e alimentação. São tantos percalços até a cura, que várias não conseguem completar o tratamento, ou o fazem de forma irregular. Como consequência, podem desenvolver resistência às medicações. As formas resistentes da doença exigiam, há até pouco tempo, tratamentos longos, de até dois anos, com medicações injetáveis dolorosas e tóxicas (causadoras de doença renal e surdez), quase intoleráveis. A taxa de sucesso desses regimes de tratamento era de apenas 50%, isto é, apenas uma em cada duas pessoas que se submetiam a eles conseguiam alcançar a cura. 

Com o advento de uma medicação oral chamada bedaquilina, há alguns anos, o cenário devastador do tratamento da tuberculose resistente começou a mudar. Atualmente, é possível tratar essa forma da doença sem o uso de medicações injetáveis, com regimes menos tóxicos e mais toleráveis. No entanto, ainda enfrentamos problemas de acesso e preço. Nem todos os países tiveram êxito em mudar suas diretrizes para tratamentos orais. Além disso, os tratamentos continuam longos. 

Médicos Sem Fronteiras (MSF) é um dos maiores provedores não governamentais de tratamento de tuberculose no mundo. Tratamos pacientes e implementamos programas em países como Moçambique, República Centro-Africana, Sudão do Sul, Iraque, entre tantos outros. Como testemunha do sofrimento de populações diante da tuberculose resistente e frustrada com a falta de opções de tratamento, MSF tem desenvolvido, nos últimos anos, estudos que avaliam novas formas de tratar a doença. 

Recentemente, um estudo de MSF chamado PRACTECAL-TB demonstrou que é possível tratar com 90% de sucesso as formas mais resistentes de tuberculose com uma combinação de medicações orais durante apenas seis meses. Esse é um avanço histórico, uma vez que abre caminho para a simplificação do tratamento e a melhora da qualidade de vida dos pacientes.  

O trabalho, entretanto, não acabou. Precisamos garantir que, assim que aprovadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), essas medicações sejam incluídas em diretrizes nacionais e cheguem aos países onde são necessárias a um preço justo. Além disso, precisamos continuar garantindo o desenvolvimento de modelos de cuidados humanizados e centrados nas pessoas e nas comunidades que permitam o sucesso do tratamento e o alívio do sofrimento causado pela tuberculose, uma doença quase invisibilizada. 

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