As psicólogas Renata Bernis e Renata Santos — também presidente do conselho de MSF-Brasil — falam sobre os impactos da pandemia na saúde mental.

  1. Quais os principais efeitos da pandemia da COVID-19 na saúde mental?

Renata Bernis: Quando pensamos no ser humano, nós o incluímos num complexo movimento de coisas que interagem entre si, no ambiente tanto familiar quanto social, físico, mental, comunitário e ocupacional. Vejo que os efeitos atingiram todas essas áreas. Se compararmos como era antes da pandemia e o cenário atual, as pessoas estão mais inseguras quanto ao futuro; há um medo presente, tem aparecido o luto não só pela morte de um ente querido, mas também por coisas que estavam habituadas a fazer e que não fazem mais, como ir a certos lugares, relacionar-se com pessoas… 

Renata Santos: Uma coisa também que notamos muito é que o sofrimento psíquico, que já existia antes da pandemia, foi intensificado. Pessoas que já tinham problemas crônicos, físicos ou mentais, e sofriam com dificuldade de acesso à saúde de modo geral, como populações ribeirinhas, indígenas, migrantes, população negra, periférica, tudo isso acabou trazendo um fator estressante maior para elas, que já vinham tendo que lidar com essas questões. 

 

  1. Que sentimentos podem atingir a população após tanto tempo de restrições e insegurança impostas pelo vírus? Que sintomas são sinais de alerta para procurar ajuda especializada?

Renata Santos: Buscar ajuda psicológica, apoio, conversar com um profissional especializado é algo que, se as pessoas têm condições, se têm acesso, devem fazer, mesmo que ainda não tenham certeza absoluta se têm realmente necessidade ou não. Sabemos que ainda há certa resistência e estigma envolvendo a saúde mental. De modo geral, se a pessoa sente que está sobrecarregada, nota uma mudança muito grande de humor, intolerância, impaciência, que há algo diferente na sua forma de se relacionar com os outros, de suportar algumas situações, perde a esperança de que as coisas vão melhorar, que não há saída, ela deve procurar ajuda. 

Renata Bernis: E também ficar muito atento aos exageros: aumento do consumo de álcool, tabaco, medicamentos… associado a todos esses exemplos que a Renata [Santos] falou, a persistência disso. Perceber que os meses estão passando e você continua se sentindo inquieto, incomodado, e também olhar para a questão dos excessos. Acho que isso é um sinalizador de que alguma coisa não está bem. 

 

  1. Momentos de crise, como uma pandemia, podem gerar um impacto emocional. Quais os efeitos em populações que já vivem em situações extremas, com pouco acesso a serviços de saúde, e que continuaram a vivenciar essas situações, mesmo diante da COVID-19?

Renata Bernis: Algumas reações mais comuns são apresentadas com dor de estômago, dor de cabeça, tensão corporal, alteração de apetite, alteração de humor, comportamentos agressivos — os excessos, como eu tinha comentado. E aí, quando se fala das populações que já vivenciam situações extremas, e isso se amplia com a pandemia, como pessoas que vivem em acampamentos de deslocados, que chegam traumatizadas com a violência a que foram submetidas, associado à falta de assistência básica, doenças, pobreza, falta de moradia… isso agrava essas reações. Não podemos esquecer as crianças, que, diante das situações de crise humanitária, são diretamente atingidas. Isso pode trazer mudanças no comportamento, como fazer xixi na cama, dificuldades no campo do aprendizado, da cognição. 

Renata Santos: A sobreposição de fatores estressantes que ameaçam a vida acaba trazendo e potencializando sobretudo o sofrimento psíquico de grupos de pessoas que estão mais vulnerabilizadas. Então, as desigualdades sociais são determinantes sociais de saúde muito importantes que devem ser considerados. Situações que são estressantes para qualquer pessoa vão causar mais impacto naquelas que estão lidando também com preocupações básicas, como “o que comer?”, “onde morar?”, “desemprego”. Como no caso dos migrantes, pessoas que dependiam de empregos informais, que já eram muito estigmatizadas e que perderam seus meios de subsistência com a pandemia. 

Quando morei em Roraima, trabalhando em Médicos Sem Fronteiras, vi muito de perto o impacto negativo na saúde mental de migrantes causado pelas dificuldades sociais que enfrentavam. Pensando também na população do Afeganistão, como outro exemplo de situações extremas que já existiam e que a pandemia agravou, são marcantes os relatos da busca pela sobrevivência. O medo de ser infectado logo no princípio por uma doença que ninguém conhecia muito bem era menor, se comparado com a necessidade urgente de manter-se vivo. Isso tudo impacta diretamente a saúde mental dessas pessoas, porque é um somatório de fatores estressantes que as colocam numa situação de ainda mais vulnerabilidade, além do risco de morte. 

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