Os principais desafios do combate à pandemia no Brasil

Dounia Dekhili foi a coordenadora-geral de Médicos Sem Fronteiras (MSF) para a resposta de emergência à COVID-19 no Brasil. Com 15 anos de experiência em ajuda humanitária, ela conta nesta entrevista os principais desafios do combate à pandemia no país.

COMO COMEÇOU A RESPOSTA DE MSF À PANDEMIA NO BRASIL?

Os primeiros casos surgiram nas grandes cidades no litoral do país e iniciamos nossas atividades com foco nas pessoas mais vulneráveis, como a população em situação de rua, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Entretanto, com o rápido crescimento dos casos em Manaus, capital do Amazonas, ficou claro que precisávamos ampliar nossa resposta também para outras regiões. Começamos nosso projeto na cidade em um momento em que os sistemas de saúde e funerário já haviam colapsado. Logo a doença já estava se espalhando pela calha dos rios, alcançando áreas remotas no interior da floresta amazônica. Para atender a essas novas necessidades, montamos projetos também no interior do estado.

ERA POSSÍVEL RESPONDER COM MAIOR RAPIDEZ E DE FORMA MAIS EFETIVA AO AVANÇO DA DOENÇA NO PAÍS?

Alguns fatores fizeram com que fosse difícil prever a direção em que a doença estava se espalhando. A falta de uma metodologia apropriada de testagem em massa foi um deles. Isso teria permitido identificar e isolar pacientes com casos confirmados da doença, algo que é fundamental para romper o ciclo de transmissão e identificar para onde o vírus está se disseminando. Há também questões específicas das áreas mais remotas. A falta de acesso histórica a cuidados médicos nessas localidades dificulta ainda mais a identificação precoce
dos casos, o que permitiria oferecer tratamento antes do desenvolvimento de sintomas graves. A identificação também é importante para termos um panorama claro da evolução da pandemia em cada comunidade. Quando isso é possível, conseguimos programar com alguma antecedência como e onde precisaremos agir antes que a situação se agrave.

E QUAIS FORAM OS PRINCIPAIS DESAFIOS LOGÍSTICOS PARA LEVAR CUIDADOS DE SAÚDE A COMUNIDADES MAIS ISOLADAS?

Na Amazônia, por exemplo, as enormes distâncias e a falta de opções de transporte foram um desafio. Isso não só para a chegada de nossas equipes e suprimentos como também para o encaminhamento de pacientes em estado grave para hospitais com a infraestrutura necessária para atendê-los. Essa, inclusive, é uma das razões pelas quais o componente de treinamentos foi tão importante em nossa resposta à COVID-19 no Brasil. Em áreas remotas, capacitar profissionais de saúde locais para que tenham o conhecimento necessário
para atender à chegada em massa de pacientes em uma futura crise de saúde ou uma segunda onda de casos de COVID-19 é o maior legado que podemos deixar. Assim, eles ganham autonomia para atuar em regiões em que é difícil a chegada rápida de reforços em uma situação crítica. Mais do que isso, depois de treinados, tornam-se aptos para treinar outros colegas.

MSF TRABALHOU DIRETAMENTE EM COMUNIDADES INDÍGENAS?

Na Amazônia, trabalhamos em cidades-chave nas margens tanto do rio Amazonas (Tefé) quanto do rio Negro (São Gabriel da Cachoeira), onde há um grande fluxo de pessoas de toda a região. Lá, atendemos população ribeirinha e indígena, muitas vezes adaptando nossas atividades e instalações de saúde para respeitar sua cultura e fazer com que eles se sentissem acolhidos enquanto recebiam tratamento. Porém, foi no estado do Mato Grosso do Sul que atuamos diretamente nas aldeias. Fomos para a região de Aquidauana a pedido de lideranças indígenas, preocupadas com o grande número de pessoas infectadas nas comunidades e a quantidade desproporcional de mortes em comparação com o restante da população. Como foi dito antes, o foco do trabalho de MSF no Brasil foram as populações mais vulneráveis e isso inclui a população indígena, que tem historicamente maior dificuldade de acesso a cuidados de saúde.

Quero ajudar
Toda ajuda é muito importante para nós