“Todas as pessoas que você encontra estão em completo estado de choque”

Jerome Alin

Coordenador-geral de MSF no Iraque pela segunda vez, Jerome Alin fala sobre as consequências de guerras consecutivas em um país dilacerado pela violência

Complexidade é um termo que define bem o contexto do Iraque. Porém, o mesmo pode ser dito sobre a situação de vários outros países do Oriente Médio que estão, hoje, imersos em violência e sofrimento. Ainda que o Iraque figure entre as prioridades de governos e grupos beligerantes, aparentemente o sofrimento da população civil do país não parece mais comover o público de forma geral, de acordo com Jerome Alin, coordenador-geral de Médicos Sem Fronteiras (MSF) em Bagdá. Nesta entrevista, ele define os principais desafios enfrentados pela organização para se adaptar às mudanças rotineiras na região.

  1. Você diria que o contexto no Iraque é hoje uma prioridade para MSF?

Definitivamente, sim. A situação catastrófica vivenciada pela população no cenário atual, com picos constantes de violência e deslocamento populacional, já seria motivo suficiente para a presença de MSF no país, mas a priorização vai para além disso: são anos de guerras que se prolongam desde a década de 80. E o sofrimento das pessoas, submetidas a tanta violência, foi se acumulando e se intensificando em um país cada vez mais fragmentado.

  1. Por que você acha que a opinião pública internacional parece não dar a devida atenção à crise no Iraque?

Aparentemente, a guerra no Iraque é vista como uma consequência da guerra na Síria. Infelizmente, nos acostumamos a ouvir sobre guerras no país, porque elas vão e vêm desde a década de 1980. É como se a situação, assim, estivesse normalizada. Mas isso não deveria ser motivo para minimizar o que se passa agora. Por exemplo: Bagdá é uma das cidades mais violentas do mundo. Atualmente, somam-se entre quatro e seis ataques por dia, com carros- bomba, atentados suicidas, entre outras coisas. E a cada duas ou três semanas, a escala se intensifica, chegando de 20 a 30 vítimas ao mesmo tempo a nossas instalações.

  1. Quais você considera os maiores desafios do trabalho humanitário no Iraque?

Acesso, de forma geral, tanto das nossas equipes às pessoas em necessidade quanto dessas pessoas às nossas instalações, especialmente no norte, nas áreas em disputa, como a cidade de Mossul. Os deslocamentos forçados fizeram com que boa parte das pessoas se instalassem em acampamentos formais ou improvisados, e avaliar suas necessidades é bastante desafiador. A negociação para nos movimentarmos é feita diariamente com diversos grupos. Ter de encaminhar um paciente a um hospital é um pesadelo burocrático, mas extremamente necessário, uma vez que as pessoas não têm autorização para se movimentarem sozinhas. Precisam do nosso suporte.

  1. Você relacionaria a escassez de oferta de ajuda humanitária à redução do financiamento internacional?

Mesmo que o financiamento internacional não fosse reduzido, acredito que as lacunas na provisão de ajuda ainda existiriam. O acesso às áreas de maior necessidade, altamente fragmentadas e politizadas, como comentei, é desafiador. Além disso, não há muitas ONGs com capacidade para atender às especificidades desse tipo de contexto, como a cirurgia de trauma, campo no qual temos bastante experiência.

  1. Tendo estado no Iraque duas vezes, em 2011 e agora, qual a principal diferença que você vê em relação às consequências da guerra para a população civil?

Hoje, todas as pessoas que você encontra estão em completo estado de choque. Elas testemunharam assassinatos, execuções e algumas ainda foram forçadas a fazer coisas inimagináveis. Tudo está mais exacerbado. Notam-se mais vulnerabilidade e sensibilidade em nossas relações com o governo e mesmo com nossos profissionais locais. É o acúmulo de anos de violência.

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